Fumaça sempre foi o grande vilão dos incêndios em geral

Dificilmente uma pessoa morre pelo fogo, na maioria absoluta dos casos o indivíduo morre por asfixia ou por envenenamento dos fumos da combustão e, eventualmente, o fogo atinge o local onde encontra-se o cadáver e o queima.
Particularmente no caso dos seres humanos, existe ainda um agravante com relação aos fumos da combustão, este agravante chama-se monóxido de carbono.
Existe na hemoglobina do sangue alguns componentes, entre eles quatro íons de Fe 2+. Quando respiramos, as moléculas de oxigênio - O2 – formam ligações com os íons de ferro das moléculas de hemoglobina, formando a oxi-hemoglobina.
O monóxido de carbono também reage com os íons de ferro, porém numa proporção de atração da ordem de 250 vezes; ou seja, a partir de uma concentração de 50 ppm de CO o sangue humano dá preferência ao monóxido de carbono, ao invés de reagir com o oxigênio disponível no ar, desativando 7% da capacidade da hemoglobina de transportar oxigênio. Segundo a literatura, com 100 ppm de concentração de CO há uma forte tendência a asfixia do ser humano.
Fruto destas observações, algo incomum em um texto de engenharia mecânica, mas fundamental para o entendimento do mecanismo de ação dos fumos da combustão em geral e do monóxido de carbono em particular, desejamos resgatar inicialmente o histórico deste processo de exaustão dos fumos da combustão ou extração de fumaça em caso de incêndio.
Já em 1936, a NBFU ( National Board of Fire Underwritters) dos EUA, estudou o movimento da camada de fumaça em caso de incêndio, recomendando que os sistemas de ar condicionado fossem desligados em caso de incêndio nos edifícios nos EUA, pois os dutos permitiam o espalhamento dos fumos da combustão e, por decorrência, o número de mortes causado pelos gases. Existem registros da época informando que em 25 incêndios ocorridos, ocorreram 19 mortes decorrentes de fumos da combustão.
Esses estudos da NBFU foram recomendados aos membros da ASHRAE à época. A legislação atual NFPA 90A, assim como a IT15 do Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo, refletem esta preocupação de caráter universal.
Lembrando que enquanto o sprinkler foca na proteção do patrimônio, o sistema de exaustão de fumaça foca na salvaguarda da vida humana, seja pela pressurização das escadas de emergência, seja pela extração de fumaça em caso de incêndio.
Na cidade de São Paulo, em particular, a história e a preocupação com um sistema de exaustão de fumaça, tem início, ou fica em evidência, com as grandes tragédias ocorridas na década de 1970 (incêndio dos edifícios Joelma e Andraus). Quando o Eng. Mario Covas, então prefeito, decidiu alterar o código de obras da cidade, por influência do Eng. Olavo Egídio Setubal convocou-nos, na condição de então funcionário da antiga ITAUPLAN, empresa de engenharia do grupo Itaú, para assessorá-lo. Fruto dessa assessoria, é introduzido no código de obras da cidade de São Paulo, editado à época da prefeita Luiza Erundina, a BS 5588 ou British Standard 5588, sobre sistemas de exaustão de fumaça.
Já em 1980, os primeiros 3 (três) edifícios do grupo Itaú, na estação Conceição do Metrô, em São Paulo (SP), são projetados com extração de fumaça em caso de incêndio, através de um sistema de injeção de ar externo, reversível e automatizado, que entra em operação no andar específico onde os detectores de fumaça alarmem para a presença de incêndio.
Como o projeto arquitetônico do edifício é padrão americano, com a área de serviços nuclearizada, a solução tornou-se muito feliz, permitindo que a extração de fumaça se dê, em posição diferente da rota de fuga, para as escadas pressurizadas.
Através do Decreto Estadual n. 46.076/2001, o Estado de São Paulo torna-se o primeiro estado brasileiro a adotar um legislação especifica para extração de fumaça, e é neste período que nasce também a instrução técnica número 15, que dá a primeira forma, depois bastante aprimorada, e orientação para o desenvolvimento de projetos para estes sistemas.
A instrução técnica número 15, do Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo, instituição orgulho dos paulistas, hoje na revisão feita em 2011, mas já em fase de aprimoramento, fruto do decreto lei 62.416 de Janeiro de 2017, vem sendo constantemente melhorada, em decorrência da realidade brasileira/paulista, no que tange a especificidade da sua arquitetura.
A instrução técnica de número 15, muito pedagógica, impõe condições mínimas de exigências para o projeto de uma rota de fuga, que certamente será segura, durante os primeiros 15 a 20 minutos, pois, como é de conhecimento geral, passado este tempo, ante a severidade da combustão, não há condição de garantir segurança de forma absoluta para a evacuação da edificação.
Porém respeitadas as instruções técnicas do Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo, que são 38 instruções técnicas, sendo a IT 15 especifica para extração de fumaça, mas vale lembrar da importância das outras ITs, pois é o conjunto da obediência a elas que transforma a edificação em uma área segura para trabalho e habitação; e aqui vale ressaltar a IT 13, pressurização de escadas e de elevadores de emergência, e a IT 10, de controle de materiais e acabamentos.
Como exigência das instruções técnicas, destacam-se: o respeito às compartimentações e controle de materiais, particularmente em áreas sensíveis, tais como hospitais, escolas, locais de muita aglomeração humana, ou em locais de ocupação com pessoas com fragilidade de deslocamento imediato.

Duilio Terzi, engenheiro Mecânico e de Segurança do Trabalho; sócio diretor da Fundament- AR Engenharia

*Especial apreço aos engenheiros G.T. Tamura e Klote, J. H., membros da ASHRAE Canadá Vancouver, pelos longos anos de dedicação e trabalhos desenvolvidos na área de exaustão de fumaça em caso de incêndio, dos quais hoje somos usuários.

Referências bibliográficas:
Corpo de bombeiros do Estado de São Paulo – Instruções Técnicas.
Intoxicação por CO: Hemoglobina e monóxido de carbono têm alta afinidade, Luiz Fernando Pereira.

ASHRAE Journal Vol 36, no 7 46-50, July 1994 - American Society of Heating Refrigeration Engineering.

Achakji, G.Y. and G.T. Tamura, 1988. Pressure drop characteristics of typical stairshafts in high-rise buildings. ASHRAE transactions 94

NBFU. 1939. Smoke Hazards of Air-Conditioning Systems. NFPA Quartely Vol 33, no 2 pp 113-122.

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